MOMENTO DE RECOLHIMENTO DO ITCMD SOBRE A RESERVA DE USUFRUTO: IMPLICAÇÕES FRENTE ÀS ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação é um tributo de competência estadual que incide sobre a transferência de bens e direitos em situações de óbito do titular da propriedade ou doação. No contexto de doações com reserva de usufruto, a legislação paulista abre margem para recolher o tributo em momentos diversos, sendo possível postergar o recolhimento da parcela referente ao usufruto. Nesse sentido, considerando a tramitação de ato legislativo que busca a majoração do tributo, mediante alíquotas progressivas, a antecipação da parcela de usufruto pode se revelar estratégia preventiva eficiente.

Como já mencionado, o ITCMD se torna devido em duas situações principais: no momento da doação e no momento da morte. A doação representa a transferência da propriedade do bem, enquanto a morte pode configurar a transferência da propriedade em si ou a consolidação da propriedade plena na figura do herdeiro ou donatário, caso haja reserva de usufruto.

Ou seja, a reserva de usufruto em um ato de doação implica que o doador, enquanto usufrutuário, mantém consigo o direito de usar o bem durante sua vida. Nessa situação, a transferência da propriedade não se dá de forma plena ao donatário, que recebe apenas a “nua-propriedade”. Dessa forma, o donatário não poderá exercer plenamente todos os atributos de propriedade, qual seja o uso do bem, que se encontra limitado ao doador.

São corriqueiras as discussões judiciais acerca de ITCMD em que, após realizada doação com reserva de usufruto, o Fisco Estadual persiga valores do referido imposto supostamente devidos com o fim da reserva de usufruto, o evento morte do usufrutuário.

Nesta toada, o entendimento jurisprudencial denota a impossibilidade de ser exigível o ITCMD, em razão do evento não se tratar de morte ou doação. Ora, não se configura a transmissão de direito real ou patrimônio, meramente ocorre a efetivação dos atributos da propriedade em benefício do donatário, afinal, o usufrutuário possui a posse, não a propriedade.

Assim, referida atitude do Fisco envolve a tentativa de exigir um “novo” ITCMD, o que significaria a cobrança do imposto tanto pela doação quanto pela extinção do usufruto. Todavia, no presente caso trata-se do mesmo ITCMD, que foi parcialmente exigido na constituição da doação e totalmente pago com a extinção do usufruto, configurando um tipo de “parcelamento”. De tal maneira, a cobrança do ITCMD com base em um novo fato gerador é indevida, pois este já ocorreu no momento da doação.

Nos termos do art. 18, incisos I e II da Lei nº 9.591/96, que disciplina o ITCMD no Estado de São Paulo, consta a possibilidade de pagamento do imposto em duas etapas distintas em casos de reserva de usufruto. No momento da escritura da doação, o imposto é recolhido sobre o valor da nua-propriedade, correspondente a 2/3 do valor total do bem. Posteriormente, quando ocorre a consolidação da propriedade plena, seja pela morte do usufrutuário ou por sua renúncia ao usufruto, o imposto incide sobre o valor restante na fração de 1/3 do valor total do bem.

Inclusive, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acompanhando a interpretação da Lei nº 9.591/96, se demonstra favorável à possibilidade de postergação do pagamento do ITCMD sobre o usufruto. Em exemplo, o processo n° 1001267-48.2016.8.26.0060, neste caso, o autor da ação havia recolhido o ITCMD sobre a nua-propriedade de cotas societárias doadas com reserva de usufruto. A Fazenda Estadual, por sua vez, cobrava o imposto sobre o usufruto no momento da doação. O Tribunal, no entanto, reconheceu a legalidade do pagamento em duas etapas e julgou improcedente a cobrança antecipada do imposto sobre o usufruto.

Em complementação, a Fazenda do Estado de São Paulo, já estabeleceu que com a extinção do usufruto deverá ser recolhido o restante do ITCMD, ou seja, o ⅓ do usufruto devido pela transferência completa dos atributos da propriedade, devidamente corrigido, conforme a Decisão Normativa CAT-03, de 26/02/2010.

Ainda, considerando a redação do art. 19 da Lei n° 9.591/96, é possível observar dois momentos para o recolhimento do ITCMD, no ato da escritura e na efetivação da propriedade plena, quais sejam a renúncia do usufruto ou a morte do usufrutuário. De tal maneira, não há vedação legal para o pagamento do ⅓ do usufruto em momento anterior à consolidação plena da propriedade, tratando-se de faculdade do Contribuinte realizar o pagamento no momento em que considerar oportuno.

Mister destacar que o valor da parcela do ITCMD referente ao usufruto, cujo pagamento é postergado, deve ser corrigido monetariamente. Essa correção, de acordo com a legislação paulista, deve ser feita com base na UFESP (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo), a partir do dia seguinte à data da doação até a data da extinção do usufruto, acompanhando a redação da Resposta à Consulta Tributária 7.638/2015.

Ou seja, a Lei nº 9.501/96, ao tratar da base de cálculo do ITCMD, estabelece que o valor do imóvel para fins de cálculo do imposto é definido no momento da apresentação da guia de recolhimento. Portanto, no ato da escritura da doação, quando ocorre a primeira etapa do pagamento do imposto, a base de cálculo para a parcela do usufruto já é definida, e a correção monetária deve ser aplicada sobre esse valor até a data do pagamento final.

Quanto às alíquotas progressivas, tramita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o Projeto de Lei nº 7/2024. Atualmente em fase de análise pelas Comissões Temáticas, o projeto tratado persegue a alteração da Lei nº 10.705/00 para majorar as alíquotas previstas para o cálculo de ITCMD devido ao Fisco. Nesse sentido, as alíquotas poderiam alcançar o grau máximo de 8% (oito por cento) sobre o valor venal do bem. Todavia, conforme abordado no início do presente trabalho, referida cobrança seria indevida, ora, não se trata de um novo fato gerador do tributo, mas sim do pagamento de parcela de imposto já auferido.

Diante das considerações, a postergação do pagamento do ITCMD incidente sobre o usufruto, em casos de doação com reserva, é uma possibilidade legal e encontra respaldo na jurisprudência. Dessa forma, considerando a possibilidade futura da majoração das alíquotas incidentes sobre o tema tratado, a antecipação do pagamento do valor devido pela reserva de usufruto pode se revelar medida preventiva quanto à eventuais exigências.

FILIPE SARAIVA DOS SANTOS é estagiário da Jorge Gomes Advogados e bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente.