No ano de 2005, com a edição da Lei nº 11.101, popularmente conhecida como Lei de Recuperação de Empresas, superou-se finalmente a sistemática ultrapassada da concordata, a qual comprovou-se, na maioria dos casos, um mero instrumento de postergação da agonia das empresas em dificuldade até o derradeiro momento da quebra.
 
A lei em questão trouxe uma importantíssima base principiológica que vem orientando a interpretação das mais variadas discussões que diariamente nascem envolvendo as empresas em crise, determinando expressamente que a “recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
 
No que toca ao passivo tributário referida legislação contempla a previsão de que a Fazenda Pública “poderá” deferir, nos termos de legislação a ser editada, parcelamento específico para empresas em recuperação judicial, nos termos dos parâmetros estabelecidos no Código Tributário Nacional.
 
Contextualizada a previsão de futura edição de parcelamento especial com aquela que estabelece que o objetivo da recuperação judicial é a superação da crise econômica financeira da empresa, conclui-se então de que não se trata de conceder qualquer parcelamento, mas sim um que efetivamente seja hábil a concretizar os objetivos propostos.
 
Inobstante a expressa previsão legal e a importância do tema, o referido parcelamento específico somente veio a ser editado no último dia 13 de novembro, quando foi publicada a Lei nº 13.043.
 
Foram quase 10 anos de espera pela edição do parcelamento especial, e tão longa quanto a espera foi a decepção com o resultado alcançado, afinal, foi concedido um parcelamento em 84 (oitenta e quatro) meses, ou seja, apenas 24 meses a mais do que aquele que se concede a qualquer empresa que não esteja em crise. Seguiu-se a mesma linha adotada pelo Confaz ao prever o mesmo prazo para os parcelamentos de débitos tributários estaduais para empresas em recuperação judicial.
 
Ademais, as disposições da novidade legislativa ainda dependem de regulamentação para efetivamente produzir efeitos.
 
De interessante na iniciativa se observa a ideia, cuja implementação não lhe faz jus, de se estabelecerem percentuais progressivos para determinação do valor das parcelas assim divididos: da 1ª a 12ª parcela, o percentual de 0,666% do valor total do débito da 13ª a 24ª parcela, o percentual de 1% do valor total do débito da 25ª a 83ª parcela, o percentual de 1,333% do valor total do débito, e finalmente na 84ª parcela o valor remanescente.
 
A divisão do valor do passivo em percentuais crescentes ao longo do prazo de pagamento é interessante, contudo, os percentuais iniciais são deveras elevados, vez que, normalmente, nos primeiros 12 meses da recuperação judicial a empresa se encontra num intenso esforço para recompor seu capital de giro, inclusive com a determinação legal de suspensão total da cobrança pelo prazo de 180 dias do passivo não tributário.
 
Além do prazo curto e dos percentuais iniciais elevados, a iniciativa padece ainda de um segundo erro grave, ao coagir o contribuinte a incluir a totalidade do passivo no parcelamento, cerceando a possibilidade de adoção de estratégia consistente em discutir os passivos que se entende indevidos e pagar aqueles devidos.
 
Explica-se: a lei em questão estabelece que para aderir ao parcelamento a empresa deve: I) desistir das discussões administrativas ou judiciais dos débitos que se pretende parcelar II) possuir apenas um parcelamento desta espécie e, III) incluir no pedido, em caráter definitivo, todos os débitos que se pretende parcelar.
 
Com isto, a empresa é obrigada a adotar uma decisão definitiva, não podendo posteriormente alterar a estratégia de acordo com o resultado positivo ou negativo nas discussões que mantém, na medida em que, além desistir das discussões para aderir ao parcelamento, uma vez celebrado não se permite a posterior inclusão de novos débitos e tampouco a celebração de novo parcelamento.
 
Este breve resumo sobre a parte da Lei nº 13.043 de 2014 que trata dos parcelamentos tributários para empresas em recuperação judicial revela que o legislador, com a devida vênia, não entendeu a dimensão do problema que envolve o passivo tributário das empresas em recuperação judicial.
 
Isto porque numa situação de crise o empresário sempre prioriza o prosseguimento das atividades, com o pagamento de salários e dos demais instrumentos indispensáveis a não paralisação da empresa, de modo que a escassez de recursos impacta primeiramente no pagamento de tributos, razão pela qual referidas empresas corriqueiramente ostentam elevados passivos fiscais.
 
Justamente por isto é que os prazos concedidos e os percentuais para cálculo do valor das parcelas mensais não se revelam adequados para que a recuperação judicial efetivamente culmine na superação da crise, afinal, não é possível recompor a saúde financeira da empresa e ao mesmo tempo cumprir o parcelamento tributário nas condições propostas.
 
A este respeito é eloquente a constatação de que para empresas que não se encontram em crise vem sendo concedidos reiterados parcelamentos especiais, com constantes reaberturas de prazo, em que se estabelecem prazos variáveis de até 180 meses, com substanciais descontos sobre os montantes de juros e multa.
 
Enfim, passaram-se quase dez anos para se editar uma lei específica que não oferece solução para o problema do passivo tributário das empresas em recuperação judicial, demonstrando que o assunto não vem recebendo do legislador a atenção e o cuidado necessários.
 
Por fim, não custa alertar que a solução do problema do passivo não tributário sem a efetiva solução do problema tributário é remédio parcial, paliativo, que inclusive pode tornar inútil todo o esforço desenvolvido ao longo do trabalho envolvido na elaboração do plano de recuperação judicial, sua aprovação e execução.
 
Thiago Boscoli Ferreira, é Advogado, sócio da Jorge Gomes Advogados, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET.
 

