Decisão: Ementa: Habeas corpus. Descaminho. Atipicidade da conduta. Valor do tributo sonegado inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Precedentes. Ordem concedida.
1. Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado contra acórdão unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria da Ministra Laurita Vaz, assim ementado: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 334 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO CABIMENTO. DÉBITO TRIBUTÁRIO SUPERIOR A DEZ MIL REAIS.PARÂMETRO ESTABELECIDO PELO ART. 20 DA LEI N.º 10.522/2002. INAPLICABILIDADE DA PORTARIA N.º 75/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Por ocasião do julgamento do recurso especial repetitivo representativo da controvérsia n.º 1.112.748/TO, a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido de que incide o princípio da insignificância, no crime de descaminho, aos débitos tributários que não ultrapassem o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
2. As Turmas Criminais desta Corte Superior firmaram o entendimento no sentido de que “Não tem aplicação qualquer parâmetro diverso daquele fixado no recurso especial representativo de controvérsia, notadamente o de R$ 20.000,00 previsto na Portaria nº 75/2012 do Ministério da Fazenda, que regulamenta não a Lei nº 10.522/02, mas o Decreto-Lei nº 1.569/77, e, além disso, autoriza a execução de valores inferiores àquele” (EDcl no REsp 1392760/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014).
3. Agravo regimental desprovido.” 2. Segundo a Defensoria Pública da União, o paciente foi denunciado por suposto delito de descaminho e absolvido sumariamente pelo Juízo de primeiro grau, que considerou atípica a supressão de tributos, estipulados em R$ 17.554,35 (dezessete mil, quinhentos e cinquenta e quatro reais e trinta e cinco centavos). 3. Contra a sentença o Ministério Público Federal interpôs apelação, que foi desprovida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
4. No Superior Tribunal de Justiça, o recurso especial apresentado pela acusação foi provido, de modo a determinar-se o processamento da ação penal. O acórdão impugnado está embasado na premissa de que “é possível a aplicação do princípio da insignificância ao delito previsto no art. 334 do CP, desde que o total do tributo ilidido não ultrapasse o patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais) previstos no art. 20, da Lei nº 10.522/2002.”
5. Neste habeas corpus, a impetrante desenvolve o raciocínio de que o parâmetro para a aplicação do princípio da insignificância em casos como o presente é o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), definido na Portaria nº 75 do Ministério da Fazenda, publicada no DOU de 29.03.2012. Nesse sentido, requer, em sede liminar, a suspensão dos efeitos do ato impugnado. No mérito, o pedido é de restabelecimento da decisão do Juízo de origem.
6. Deferida a medida liminar, a Procuradoria-Geral da República opinou pelo indeferimento da ordem. Decido.
7. Em matéria de aplicação do princípio da insignificância, consulta à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal indica que, apesar de certa uniformidade na indicação de condicionantes para a caracterização da bagatela (mínima ofensividade da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, grau reduzido de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada), não há um enunciado claro e consistente para as instâncias precedentes a respeito daquilo que a Corte considera suficiente para afastar a aplicação da norma penal. Nesse cenário, não são incomuns julgamentos díspares para hipóteses fáticas relativamente homogêneas.
8. Tal disparidade, contudo, não é observada nos casos que tratam da aplicação do princípio da insignificância ao delito de descaminho. Isso porque o fundamento que orienta a avaliação da tipicidade da conduta é aquele objetivamente estipulado como parâmetro para a atuação do Estado em matéria de execução fiscal: o valor do tributo devido (v.g HC 104.407, Rel. Min. Ayres Britto, HC 96.852, Rel. Min. Joaquim Barbosa, RE 550.761, Rel. Min. Menezes Direito, RE 536.486, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, HC 101.074, Rel. Min. Celso de Mello). Vale registrar que para a aferição do requisito objetivo, assim como estabelecido na legislação fiscal, o Supremo Tribunal Federal considera a soma dos débitos consolidados (e, consequentemente, a reiteração na conduta). Nesse sentido, confira-se, por exemplo, o HC 97.257, Rel. Min. Marco Aurélio: “CRIME DE BAGATELA – TRIBUTO – CONFIGURAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, em relação à qual guardo reservas, o fato de o tributo sonegado ser inferior a dez mil reais atrai a teoria da insignificância do ato para efeito penal. Óptica suplantada ante o somatório de valores considerados processos diversos a ultrapassar o montante referido.”
9. No caso, a autoridade impetrada afastou a aplicação do princípio da insignificância pelo fundamento de que o valor de R$ 17.554,35 (dezessete mil, quinhentos e cinquenta e quatro reais e trinta e cinco centavos) ultrapassaria aquele estabelecido pela legislação de regência para o não ajuizamento da execução fiscal (R$ 10.000,00). Ocorre que, por meio da Portaria 75, do Ministério da Fazendo, definiu-se o valor de R$ 20.000,00 como novo parâmetro para a atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional e para a análise das pretensões de natureza fiscal.
10. Nessas condições, consideradas as diretrizes até então utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal na análise da tipicidade de condutas que envolvem a importação irregular de mercadorias, não há como deixar de reconhecer a atipicidade dos fatos imputados ao paciente. Notadamente se se considerar que eventual desconforto com a via utilizada pelo Estado-Administração para regular a sua atuação fiscal não é razão para a exacerbação do poder punitivo. Nesse mesmo sentido foram julgados pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, dentre outros, o HC 120617, Rel.ª Min.ª Rosa Weber, e o HC 120096, Rel. Min. Luís Roberto Barroso.
11. Diante do exposto, com fundamento do art. 192 do RI/STF, concedo a ordem para restabelecer a sentença que absolveu sumariamente o paciente. Comunique-se. Publique-se. Intime-se. Brasília, 23 de outubro de 2014. Ministro Luís Roberto Barroso Relator Documento assinado digitalmente

