Uma soma de fatores, dentre eles a complexidade matemática e a falta de transparência, fez com que o mercado não se desse conta de um brutal e indevido aumento de carga tributária para as empresas de lucro real trazido pela Medida Provisória (MP) nº 1.921/99 que alterou a fórmula da TJLP, a taxa de juros de longo prazo.
A TJLP havia sido criada em 1994 para indexar os financiamentos do BNDES, de forma que eles sofressem incidência de juros efetivamente de mercado. A fórmula era simplesmente a média dos juros dos títulos brasileiros de longo prazo, já embutida a inflação futura.
A conhecida baixa meta de inflação e o uso de um prêmio de risco no lugar de juros reais provocaram, nestas duas décadas, em média, uma TJLP equivalente à metade dos juros de mercado e, consequentemente, fazendo as empresas tributarem a 34% metade dos juros que os investidores ganhariam no mercado financeiro, cuja tributação teria sido de apenas 15%.
Em 2017, o governo federal decidiu parar de subsidiar os encargos dos financiamentos do BNDES, voltando a aplicar os juros de mercado através da criação de uma nova taxa chamada TLP, que consiste na inflação real somada à média dos juros reais dos títulos NTN-B de cinco anos, similar à fórmula original da TJLP. Porém, a nova MP 777 restringiu o uso da TLP para essa finalidade, mantendo a TJLP manipulada para os JCP.
A diferença acumulada entre as duas taxas está em 110%, como exemplo o recente ano de 2021 teve uma TJLP de 4,81%, enquanto a TLP com IPCA sem redutor alcançou 14,08%.
Foi no dia da publicação dessa medida provisória que nós conseguimos visualizar o quanto a MP de 1999 teria sido maléfica e percebemos que seria algo judicializável, mas freiamos a ideia pois havia um obstáculo temporário que era um redutor decrescente da TLP por cinco anos, o que aparentemente atrapalharia nossa intenção de substituir a TJLP pela TLP no cálculo do JCP.
Foi só no fim de 2019 que raciocinamos que a ação poderia pleitear como substituto da TJLP a fórmula da TLP antes do redutor, e iniciamos os trabalhos.
Seriam três argumentações independentes: a inconstitucionalidade formal da MP 1921 quanto à extensão ao JCP, já que o devido processo legislativo não foi respeitado pela falta de transparência na exposição de motivos; a ilegalidade da MP por desrespeito à Lei Complementar nº 95/98, por não ter explanado as consequências tributárias da norma; e a inconstitucionalidade material da MP por desrespeitar os princípios da capacidade contributiva e da isonomia, como também ao conceito de Renda.
A inconstitucionalidade material tem um paradigma perfeito, que foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela inconstitucionalidade do expurgo de 70% da inflação no índice utilizado na época do Plano Verão para a correção monetária de balanço.
Desde as primeiras ações no fim de 2020 até agora, já são 30 dos maiores grupos econômicos a acionarem a justiça em diversos segmentos, como bancos, energia, siderúrgicas, indústrias, varejistas e seguradoras.
Já ocorreram diversas sentenças favoráveis, mas em alguns casos, a primeira instância não deu provimento, seja por acharem que a causa de pedir seria a inconstitucionalidade da MP nº 777, que não estendeu a TLP ao cálculo dos JCP, ou que, sendo o JCP um benefício fiscal, valeria a interpretação literal.
Estamos combatendo essas distorções nos processos, afinal, a ação se remete às inconstitucionalidades da MP nº 1921/99 e não da MP nº 777/17, da qual apenas aproveitamos a fórmula da nova taxa TLP por representar adequadamente a TJLP original, e pelo JCP não ser um benefício fiscal, e sim uma regra do ordenamento jurídico para equalizar as tributações das empresas e seus acionistas. Mesmo que fosse, a interpretação literal não imporia o respeito a uma sigla correspondente a taxa de juros de longo prazo e que passou a ser metade dele.
Na primeira semana de abril, tivemos a honra de protocolar pela primeira vez a tese no âmbito do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e a esperança que se faça justiça é grande.
As demais empresas devem ficar muito atentas à prescrição quinquenal, afinal as perdas de 1999 à 2017 podem vir a ser irrecuperáveis.
Fonte: Valor Econômico

