O parcelamento de dívidas em até 120 vezes e a ampliação do uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL estão entre as alterações que a nova lei de recuperações e falências, em tramitação no Senado, traria na seara tributária. Ainda, caso aprovado com o texto atual, o PL 4458/2020 possibilitaria às empresas em recuperação judicial não recolher PIS, Cofins e Pasep sobre a receita obtida a partir da redução da dívida após negociação com os credores.
As alterações tributárias para as companhias em processo de recuperação são demandas recorrentes de advogados, empresas e representantes de classe, que defendem maior maleabilidade nas obrigações fiscais para ajudar na recuperação das companhias. No entanto, alguns parlamentares preocupam-se com as possíveis renúncias e futuras incompatibilidades da norma, em especial da parte relacionada ao PIS e à Cofins, com a Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Na análise de especialistas ouvidos pelo JOTA, o projeto de lei traz mudanças fiscais com o objetivo de manter o fluxo de caixa das empresas a partir de ajustes na forma de quitar os tributos devidos. Para alguns, o PL poderia ser mais ousado, para outros, se as mudanças forem aprovadas, já haverá avanço.
“Faz sentido que o fisco não esteja na posição dos demais credores porque estamos falando de um tipo especial de crédito, que tem outras características. Mas pelo PL, o fisco deu alguns passos adiante nessa questão de ser um partícipe na recuperação judicial de uma empresa, tentando não influenciar negativamente”, defende Giácomo Paro, sócio e coordenador da área tributária do escritório Souto Correa Advogados.
Embora seja um PL de 2005, o texto recebeu emendas e surgiu como prioridade no Legislativo impulsionado pela crise econômica gerada pela pandemia da Covid-19. Nota técnica divulgada pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia em julho deste ano estima 3,5 mil pedidos de recuperação judicial nos próximos meses como consequência do coronavírus, propondo uma lei de falências mais célere para evitar o aprofundamento da crise. No cenário econômico adverso, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), já sinalizou que tem pressa e o projeto pode entrar na pauta ainda no mês de setembro.
PIS/ Cofins
Especialistas ouvidos pelo JOTA destacam que entre as principais alterações do PL está a não cobrança de PIS, Cofins e Pasep sobre a receita obtida a partir da redução da dívida após negociação com os credores. Pela legislação vigente, ao conseguir reduzir a dívida, a empresa tem um ganho, portanto, uma receita tributável.
“Hoje a empresa [em recuperação judicial] negocia com os credores uma redução da dívida e isso, obviamente, gera um ganho, porque reduz a dívida. Então vem o fisco e morde um pedaço do valor porque a redução da dívida é considerada receita, portanto, tributável”, explica o advogado Giácomo Paro. “O avanço necessário é não considerar como passível de tributação a redução dos débitos, o chamado haircut da dívida”, complementa.
No entanto, o fim da tributação sobre a redução da dívida com credores gera polêmica. Alguns parlamentares enxergam a questão como renúncia de receita, incompatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O artigo 50-A da proposta que trata da questão foi inserido por uma emenda do deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
Porém, o relator do projeto na Câmara, deputado Hugo Leal (PSD-RJ) rejeitou a emenda em seu parecer, com base na LRF, “por conter uma renúncia fiscal, na medida em que permite uma possibilidade de renúncia de receita”.
Mesmo rejeitada pelo relator, a emenda foi aprovada pelos deputados durante a apreciação do projeto em plenário.
O tributarista Eduardo Muniz Cavalcanti explica que, tecnicamente, quando se retira a tributação sobre o valor da dívida renegociada há renúncia de receita, e pode haver problemas com a LRF. Por isso, é preciso fazer uma emenda com ajuste na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “Se não estiver prevista na LDO a renúncia, terá que ser feita uma emenda para ajustar a LDO e prever alguma medida compensatória a essa renúncia. Se não mandar a emenda, em tese, está descumprindo a lei de responsabilidade fiscal”.
Fim da trava de 30%
Outra medida apontada por tributaristas como benéfica às empresas em recuperação judicial é a retirada da trava de 30% para compensação de IRPJ e CSLL do lucro obtido com a venda de ativos e renegociação de dívidas com prejuízos fiscais.
“As empresas em recuperação judicial têm muito prejuízo fiscal acumulado. No entanto, hoje, para usar o prejuízo, elas estão limitadas a 30% dos lucros tributáveis naquele ano”, afirma Flávio Mifano, sócio do escritório Mattos Filho. “Com o projeto, essa trava fica liberada para esses ganhos na renegociação de dívida. Assim, a empresa pode pegar todo o estoque de prejuízo fiscal e contrapor a esse estoque aos ganhos. É um efeito contábil da renegociação da dívida, não é uma receita que vem da operação, por isso, não precisa da trava”, complementa.
A ampliação do uso do saldo negativo fiscal não se aplica na hipótese em que o ganho de capital decorra de transação entre empresas coligadas e entre pessoa física que seja acionista controlador, sócio, titular ou administrador da pessoa jurídica devedora.
Outra alteração destacada por tributaristas é a possibilidade de o juiz da vara de recuperação judicial pedir ao juiz da vara de execução fiscal a substituição do bem a ser penhorado por dívidas tributárias. “Pelo PL, o juiz da recuperação judicial pode pedir ao juiz da vara de execução fiscal que substitua a penhora de um bem mais essencial à atividade da empresa por outro. Hoje isso não ocorre”, explica o tributarista Eduardo Muniz.
Parcelamentos e transação
Especialistas também destacam que o PL traz a possibilidade de parcelamento de dívidas com a União a empresas que tiverem pedido ou já tiverem com a recuperação judicial aprovada. O texto aumenta o número de prestações de 84 para 120 parcelas. É criada ainda outra opção, com a quitação de até 30% da dívida consolidada, e o parcelamento do restante em 84 parcelas. O devedor poderá optar também por outras formas de parcelamentos previstas na legislação brasileira, além dos estabelecidos na Lei de Falências e Recuperação Judicial.
A empresa em recuperação judicial também poderá solicitar a transação tributária, ou seja, a negociação das dívidas com o fisco, seja por edital proposto pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) seja por proposta individual nos casos permitidos pela legislação.
Ambiente político
Segundo fontes consultadas pelo JOTA, o ambiente político no Senado para análise do PL 4458/2020 é de relativa boa receptividade. A necessidade de alteração na Lei de Falências é uma demanda recorrente do setor produtivo.
No entanto, quando da chegada do PL 1397/2020, em 27 de maio, que trazia alterações provisórias à recuperação judicial por conta da Covid-19, após aprovação “relâmpago” pela Câmara, o tema “alteração da lei de falências para ajudar empresas na pandemia” foi mal recebido no Senado.
Vários senadores simpáticos à agenda econômica resistiam ao PL 1397/2020 por ser um projeto de medidas de caráter emergencial, de alterações transitórias – que na avaliação dos parlamentares poderiam ser até mesmo negativas se transformadas em lei. Foi essa resistência que impediu o avanço do projeto. Nas reuniões de líderes não havia quem “abraçasse” o projeto. Sem apoio da maioria dos líderes, nunca foi nomeado um relator para a matéria, e sem relator não houve parecer ou votação.
Foi também essa resistência que estimulou o resgate do então PL 6229/2005 pela Câmara. Sem apoio do Senado ao projeto emergencial, a “modernização da lei de falências” ganhou lastro de “matéria urgente” não apenas para o enfrentamento dos efeitos econômicos imediatos da pandemia, mas também para o período pós-pandemia. Assim, na visão das fontes consultadas pelo JOTA, há, “boa vontade” com o tema.
Embora seja um projeto de 2005 – que portanto não se enquadra nos critérios de matéria de enfrentamento direto à pandemia – o tema tem forte impacto e esse apelo é acolhido por membros inclusive da oposição. Para as fontes, isso não significa que o Senado apenas endossará o texto dos deputados, mas há ambiente político para votação, ou seja o destino do PL 4458/2020 tende a ser oposto do PL 1397/2020 que foi relegado ao limbo no Senado.
Fonte: JOTA