Tributação confusa afeta competitividade – 02/10/2014

A desorganização generalizada do sistema tributário brasileiro faz, também no campo, as suas vítimas. A tão sonhada reforma tributária, que depende de definições políticas e da resolução entre os diversos interesses envolvidos na trama, porém, está longe de ser levada a cabo. Enquanto isso, o País se destaca como detentor de uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo. Em 2013, por exemplo, os impostos consumiram 36,4% de toda a riqueza produzida no País.

“Quando o agricultor planta arroz, milho ou trigo, precisa pagar o imposto embutido nos fertilizantes, nas máquinas agrícolas, nos defensivos, o que aumenta o custo da cultura em até 30% antes da colheita”, descreve o assessor jurídico da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz. “Nossos concorrentes compram insumos por valores menores porque não pagam tributo sobre a produção.
“Custo adicional. De acordo com o Sistema Farsul, na safra 2014/2015, os produtores terão um custo de R$ 49,5 bilhões para plantar suas culturas, estimativa baseada em estudo encomendado pela Farsul para avaliar o peso da tributação no período em questão.
&#160
Conforme o presidente do Conselho Superior e coordenador de Estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral, os constantes aumentos da carga tributária deixam bem clara a dificuldade que o Brasil tem de expandir o seu comércio exterior e também de incentivar a produção nacional. “Competir no mundo globalizado com uma carga tributária tão alta é o mesmo que colocar um lutador de sumô para disputar os 100 metros rasos em uma olimpíada”, compara.
&#160
“Vivemos em um Estado gastador que faz massivas transferências de renda de forma pouco inteligente e que mata os setores produtivos”, sintetiza o mestre em economia e coordenador do Pensa – Centro de Conhecimento em Agronegócios da Universidade de São Paulo (Pensa-USP), Décio Zylberstajn. Neste crescimento desmedido do sistema tributário, “o setor produtivo não pode ser punido”, diz Zylberstajn. “O Estado deve ser menos vil e criar um sistema, por meio da tecnologia da informação, por exemplo, para fiscalizar e restituir os contribuintes de forma eficiente.
&#160
“Nota eletrônica. Para o economista e consultor tributário Mauro Gallo, efetivamente, não se pode diminuir a arrecadação enquanto o Estado não reduzir seus gastos. “Uma reforma tributária deve deixar claro o que está sendo pago e para onde serão destinados os recursos”, define. “A emissão, por exemplo, da nota fiscal eletrônica em larga escala deve reduzir os riscos de sonegação e, com maior arrecadação, o Estado pode reduzir a carga tributária”, diz Gallo.
&#160
O imbróglio é emblemático principalmente em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do qual a agricultura e a pecuária não se eximem. O ICMS é um imposto não cumulativo, ou seja, se ele é cobrado numa determinada etapa da cadeia produtiva, deve ser descontado nas seguintes.
&#160
Se um pecuarista, por exemplo, tem fazenda em Mato Grosso do Sul e vai abater seu gado no Estado vizinho, o Paraná, precisa recolher o ICMS. O valor recolhido, que deveria, segundo a legislação tributária, retornar para o criador na fase seguinte, quando a boiada é vendida para o frigorífico, não volta, pois, no Paraná, não há incidência do imposto nesta transação. Teoricamente, o pecuarista pode acumular créditos – que não têm sido descontados, pela impossibilidade legal.Entrave. A demora para a recuperação de créditos de tributos indiretos como o próprio ICMS, além do PIS/Cofins (Programa de Integração Social e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e também o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) é, certamente, na visão do advogado tributarista e membro da Comissão de Tributação da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Adelmor Gheler, “um dos principais entraves enfrentados pelo setor”.
&#160
“Essa circunstância é resultado do viés exportador adotado pelo sistema após a promulgação da Lei Kandir, em 1996, que desonera os produtos que seguem para o mercado externo, mas não prevê o mesmo benefício para os elos anteriores da cadeia”, explica o advogado. “As exportações estão desoneradas da tributação indireta, mas as etapas anteriores com insumos, como matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem, energia elétrica e serviços ainda são, em grande parte, oneradas por estes impostos”, continua o advogado da Abiove.
&#160
Processamento. A situação é observada tanto nas empresas processadoras de matérias-primas quanto nas empresas que adquirem produtos no mercado interno e os exportam sem processamento. Há segmentos, como as empresas que produzem óleos e farelos a partir do processamento de soja, milho e caroço de algodão, que, além do acúmulo em função de exportações, também aglomeram créditos fiscais em função das vendas para o mercado interno.
&#160
“Não se cobram estes impostos do óleo e do farelo de soja, mas eles são mantidos nos serviços para transporte, combustível e embalagem do produto. Esses créditos ficam parados até que haja a auditoria e o ressarcimento. Como não há um sistema eficiente para a recuperação destes créditos, o produtor perde a competitividade porque não consegue impor preço, sujeito às variações do mercado internacional”, diz Gheler.
&#160
Fonte: Estadão